Entre chuteiras e o Pao Com Bife

 A Vila Capanema: Entre Chuteiras, Pão com Bife e Eternidade


A Vila Capanema não é só um estádio. É um santuário, um confessionário de paixões, onde cada grito de gol tem o peso de uma oração. Era uma noite de quarta-feira, e o adversário era o Matsubara, aquele titã do Norte Pioneiro, fábrica de sonhos e jogadores que o Brasil inteiro aprendeu a admirar. Lá estava o nosso Colorado, e lá estava eu, ainda garoto, colado ao alambrado das sociais – aquele mesmo alambrado que, anos depois, seria minha trincheira contra uma multidão de torcedores enfurecidos. Era 2018, e o Santos de Gabigol nos brindava com o terceiro gol em um jogo que parecia um epitáfio da modernidade contra a alma da Vila.


Mas naquela noite antiga, o futebol tinha cheiro de grama molhada e som de chuteiras de seis travas. Ah, as seis travas. Elas não eram só equipamento – eram personagens. Cada pisada do zagueiro Caxias na pista de atletismo tinha o eco de um trovão. A cada passo, pensávamos: “Se isso pega na canela de alguém…” E não era preciso terminar a frase. O som falava por si, como o prelúdio de um drama shakespeariano.


Foi ali que desenvolvi minha filosofia sobre zagueiros. Eles não podem ser “inhos”. Zagueiro é Jorjão, Zezão, Afonsoão. Tem que ter nome de quem levanta um muro no meio do campo. “Inhos” são para atacantes que dançam com a bola – o zagueiro não dança, ele derruba.


Mas a Vila não é só futebol. Sua fundação carrega a poesia dos ferroviários que, com as mãos calejadas, construíram não apenas um campo, mas um símbolo. Cruzaram o Rio Belém, viraram as costas para a cidade e, com suor e amor à pelota, ergueram a Vila. Foi ali que, décadas depois, o fervoroso Carlos Nasser me contou sobre um velho ferroviário aposentado, um daqueles homens que, no alto de sua simplicidade, ergueram arquibancadas e sonhos. O velho aparecia de paletó, guarda-chuva, almofada e aquele fone egoísta – um visionário que já ouvia o futuro enquanto vivia o presente.


E o pão com bife? Ah, o pão com bife da Vila Capanema! Era feito na chapa de zinco, temperado com alguma alquimia misteriosa que saía de uma antiga garrafa de álcool. Tinha um sabor defumado que ainda mora na memória de quem teve o privilégio de provar. Mais do que comida, era um rito de passagem, um abraço culinário que consolava na derrota e engrandecia a vitória.


A concha acústica da Vila foi palco de eventos que iam além do futebol. Era onde a cidade se encontrava, como se o espaço mágico do estádio transformasse qualquer espetáculo em algo maior. Porque a Vila não é feita só de cimento e grama – ela é feita de gente. Gente que vive, vibra, chora e ri, unida por um laço invisível que atravessa gerações.


Hoje, a Vila Capanema continua ali, desafiando o tempo e os caprichos dos homens. Cada visita é uma viagem no tempo, um reencontro com o garoto que eu fui e com os amigos que o futebol me deu. Rezo para que os dirigentes atuais cuidem desse templo com a reverência que ele merece. Porque a Vila não é só história – ela é vida. E vida, meus amigos, é o que mantém Curitiba respirando futebol.


Nello Morlotti 

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