O Homem-Bomba e o Subsolo da Justiça

No subsolo da mente humana, Dostoiévski desenhou Raskólnikov, o jovem desesperado que, encurralado pela pobreza e seduzido por uma filosofia distorcida, concluiu que poderia ser um “homem extraordinário”. Ele eliminou uma velha agiota, convencido de que estava limpando o mundo de um ser insignificante. A narrativa de Crime e Castigo nos obriga a encarar as consequências desse delírio de grandeza, onde a culpa rasga a alma e a racionalidade se desfaz sob o peso do ato cometido.


Agora, troquemos São Petersburgo por Brasília. Um homem, igualmente possuído por uma ideia de “justiça superior”, decide atacar o Supremo Tribunal Federal com bombas caseiras. Não há miséria econômica em seu passado, mas uma miséria intelectual alimentada por discursos inflamados. Este não é o produto de um homem extraordinário, mas de uma ideologia ordinária, vulgarizada no WhatsApp e no Telegram, temperada com teorias conspiratórias e a idolatria cega por figuras políticas.


Assim como Raskólnikov, ele acreditava em sua missão: punir o que considera “injusto” e, talvez, tornar-se um símbolo para os iguais. O STF, em sua mente confusa, não era mais uma instituição democrática, mas uma “agência inimiga”, um alvo legitimado por narrativas paranoicas de supressão de liberdades. O homem-bomba de Brasília é a figura trágica do extremismo contemporâneo: um servo da polarização, desprovido de reflexão ou remorso.


Mas aqui está o contraste crucial: enquanto Dostoiévski mergulha Raskólnikov em uma jornada de autodescoberta e arrependimento, o homem-bomba da extrema direita vive no vazio do dogmatismo, onde não há espaço para dúvida, culpa ou redenção. Ele não está sozinho no subsolo; é apenas mais um entre os que preferem dinamitar a democracia a construir pontes de diálogo.


Dostoiévski nos ensinou que a verdadeira punição não está na sentença legal, mas no tormento interno. No entanto, para o radical contemporâneo, não há tormento: há apenas o eco de sua bolha, onde atos terroristas são celebrados como heroicos e as consequências são terceirizadas para “o sistema”. Este homem-bomba não carrega a complexidade de Raskólnikov, mas a superficialidade de quem trocou o pensamento por memes e argumentos pela violência.


A tragédia final é que, enquanto Crime e Castigo nos oferece uma esperança de redenção, a narrativa do extremismo só oferece destruição. Em Brasília, não havia velhas agiotas para justificar bombas, mas apenas uma democracia que insiste em resistir àqueles que preferem o caos à convivência. E, assim, o homem-bomba se torna não um herói, nem mesmo um vilão shakespeariano, mas uma nota de rodapé patética no livro da história brasileira.


Nello Morlotti


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