A Beleza do Botox e Outras Tragédias Modernas !

A Beleza do Botox e Outras Tragédias Modernas


Era uma vez, na terra das redes sociais, onde cada ângulo é meticulosamente ajustado e nenhum filtro é gratuito, a humanidade decidiu que o espelho já não bastava. Lá, os jovens, mais familiarizados com a aplicação de ácido hialurônico do que com a de impostos, descobriram que, com um pouco de coragem (e muito parcelamento), poderiam moldar seus corpos como quem edita uma foto no Photoshop. Foi assim que o mundo, já habituado a consumir fast food, abraçou o fast beauty.


Nas esquinas da modernidade, o Brasil virou a Disneylândia das cirurgias plásticas, com slogans que garantem: “Troque seu nariz por menos do que custa um iPhone”. Enquanto isso, a Turquia reinventou seu turismo, transformando voos lotados de implantes capilares em piadas inevitáveis sobre a “Turkish Hairlines”. Nos consultórios, os médicos não eram apenas cirurgiões; eram artistas plásticos. Alguns, literal e tragicamente, eram apenas artistas.


No entanto, como todo conto de fadas contemporâneo, havia um vilão – o padrão inalcançável de beleza global. Era um Frankenstein cultural, um mix de sobrancelhas cheias da Ásia do Sul, lábios carnudos da África Subsaariana e olhos puxados para cima, com um “tilt canthal positivo”, seja lá o que isso for. Era a democracia da estética: todos tinham direito a parecer outra pessoa.


E os jovens? Ah, os jovens! Sempre à frente, adotaram o Botox antes de precisarem de creme anti-idade. “Prevenir é melhor do que remediar”, diziam eles, enquanto aplicavam preenchimento labial como quem passa gloss. Já os influenciadores, essas entidades divinas da nossa era, gravavam tudo, do pré-operatório ao pós-dramático, transformando seus seguidores em plateias de um reality show de bisturis e agulhas.


O problema, claro, não estava apenas nas boas intenções. Estava nos charlatões, nos procedimentos que prometiam sorrisos e entregavam sustos. Estava nas mortes causadas por butt lifts feitos em apartamentos clandestinos. Estava na ideia absurda de que a felicidade tinha formato de maxilar bem esculpido.


Mas, como em todo circo, o show continuava. Cada “vagina whisperer” e cada “design de ânus” era uma nova fronteira para explorar. Era como se a humanidade estivesse tentando remodelar não apenas suas caras, mas também o vazio existencial deixado pela falta de propósito. Afinal, se você não pode mudar o mundo, pelo menos pode mudar o nariz.


E assim seguimos, rindo de nossa própria futilidade, enquanto o espelho nos devolve uma versão cada vez mais irreconhecível de nós mesmos. Porque, no fundo, o que nos resta é exatamente isso: rir, mesmo que o Botox dificulte um pouco o movimento.


Nello Morlotti


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