A Elegância da Hipocrisia
Abri os jornais hoje de manhã e lá estava ele: o novo Secretário de Defesa dos Estados Unidos, já entronizado na segunda era Trump. O nome? Não importa tanto, porque o modelo já vem pronto de fábrica. Cabelinho engomado na medida certa – não pode ser desleixado, mas também não pode parecer que gastou tempo demais no espelho, senão pega mal. O terninho sob medida, ajustado de forma milimétrica para parecer que foi escolhido sem esforço, mas custa o salário anual de um trabalhador mediano. O sorriso tenso, sempre posicionado num ângulo que indica autoridade, confiança e um ligeiro desprezo pelo resto da humanidade. O homem certo para o cargo certo no tempo certo – se o tempo certo for uma sátira distópica.
Segui a leitura e vi outro desfile, agora sem passarela oficial, mas não menos sofisticado: os cidadãos de bem que povoam as ruas do Brasil. São fáceis de identificar. Acordam às quatro da manhã para tomar banho gelado e correr dez quilômetros, porque um coach da fé disse que isso aumenta a produtividade e a conexão com Deus (que, por um acaso, deve acordar tarde e passar longe desses lugares). Alimentam-se de proteínas importadas e, claro, de Ozempic ou Mounjaro, porque ninguém pode perder a forma – ainda que percam a alma no processo.
Entre uma dose de colágeno e um jejum intermitente de três dias, fazem stories com frases de autoajuda que parecem ditas por um general derrotado. Leem Café com Deus Pai como se fosse o novo Velho Testamento, e fazem questão de avisar a todos que, enquanto eles prosperam, os outros – os fracos, os improdutivos, os que não tiveram a visão de acordar antes do sol – devem aceitar seu destino de irrelevância.
Os bons costumes precisam ser preservados, dizem. Mas bons para quem? E costumes baseados em quê? No terno alinhado de um político que nunca pegou um ônibus? No corte de cabelo de um pastor que vende cursos motivacionais a R$ 997,00 em 12x sem juros? No colarinho impecável de um banqueiro que explica, com calma e serenidade, por que os pobres precisam apertar ainda mais o cinto?
O problema não é o terno ajustado, o cabelo perfeito ou o banho gelado. O problema é a crença de que só existe um modelo aceitável de sucesso, e que para alguém brilhar, outro precisa desaparecer. O problema é a ideia de que quem não segue essa cartilha é um estorvo social. E, acima de tudo, o problema é que essa gente acha que isso tudo é bonito.
Mas elegância de verdade não está no corte do paletó nem na disciplina do despertador. Está em entender que o mundo tem espaço para todos – inclusive para quem dorme até tarde e toma café sem Deus pai por perto.
— Nello Morlotti
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