A Rampa e os Esquecidos !

A Rampa e os Esquecidos


Era uma noite morna em Brasília, dessas em que a lua parece observar tudo com uma sobrancelha arqueada, julgando os humanos em sua eterna confusão. A rampa do Planalto estava enfeitada, flores por todo lado, bandeiras vermelhas tremulando ao vento e um palco montado para discursos inflamados. Seria o ato definitivo pela democracia. Ou pelo menos era o que diziam os organizadores.


De cima, a lua viu algo curioso: muita gente não havia sido convidada. Não os golpistas, claro — esses estavam alijados da conversa por razões óbvias —, mas pessoas que não cabiam naquele cenário monocromático. Policiais, agropecuaristas, evangélicos, armamentistas, servidores públicos… Onde estavam? Ficaram na sombra, olhando de longe, como quem observa uma festa que não é sua.


Mark Lilla, o pensador americano que vive alertando sobre os perigos dos identitarismos, teria franzido a testa. Ele disse certa vez que foi essa política de nichos, essa divisão em guetos de interesses, que levou Hillary Clinton à derrota em 2016, na eleição presidencial contra Donald Trump. Enquanto ela discursava para cada grupo como se eles fossem tribos isoladas, Trump apareceu como uma figura — falsa, mas unificadora — que dizia falar para todos. A lição? Democracia não sobrevive dividida em pequenas bolhas, muito menos se essas bolhas se acharem donas da verdade.


E aí está a ironia brasileira. O ato de 8 de janeiro deveria ser uma celebração da pluralidade, um antídoto ao extremismo que tomou de assalto o país. Mas acabou se parecendo com um evento interno do partido no poder. As bandeiras vermelhas brilharam mais do que qualquer mensagem unificadora. Não havia espaço para quem não era da “turma”.


Lula, em seu terceiro mandato, precisa lembrar que a democracia é como um filme do Coppola: uma obra épica, com um elenco enorme e vozes divergentes que, juntas, criam algo grandioso. Um palco para todos — não apenas para os convertidos. A rampa do Planalto deveria ser o símbolo máximo disso, um convite aberto para aqueles que respeitam as regras do jogo, mas que pensam diferente.


E pensar que os esquecidos também têm histórias a contar. O agropecuarista que carrega o peso da terra, o evangélico que busca sentido no caos, o policial que se expõe à linha de fogo. Todos são parte da engrenagem democrática, mesmo que discordem do governo. Todos deveriam ter sido bem-vindos naquele ato.


A democracia brasileira não pode repetir os erros dos identitarismos. Governar para uns poucos, por mais apaixonados que sejam, é condenar a maioria ao silêncio — e o silêncio das maiorias costuma explodir em gritos. Um ato pela democracia deveria ser uma sinfonia de ideias, não um samba de um partido só.


A lua, cansada de observar, se escondeu atrás de uma nuvem. Brasília continuou no seu silêncio ensurdecedor, enquanto as bandeiras vermelhas balançavam no vento.


E a rampa, que deveria unir, ficou ali: solitária, esperando por todos aqueles que ainda não se sentiram convidados a subir.


Nello Morlotti


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