Embriague-se (mas com moderação)
No meio do caminho tinha um número.
Tinha um número no meio do caminho.
Brilhava na tela como promessa de um mundo melhor.
Era uma aposta, mas podia ser um abismo, e era sempre um abismo.
Ah, Baudelaire, se soubesses como te leem errado!
“Embriague-se”, disseste,
mas não dessa embriaguez de ilusões baratas, de jogadas feitas no desespero, de luzes piscantes que não são estrelas
— mas armadilhas.
O homem sempre quis se esquecer de si. Na Roma antiga, o Coliseu rugia, e as multidões urravam, embriagadas de sangue e espetáculo.
Hoje, é o cassino digital, o brilho azul das telas, devorando almas
no silêncio de uma sala escura.
O erro, como diria Emil Cioran,
foi nascer. Mas já que nascemos, por que nos perder em distrações tão pobres?
Camus, pai do absurdo, nos ensinou: a vida é absurda, sim,
mas não precisa ser pequena.
Embriague-se, mas de virtudes,
da alegria contida de um vinho bem escolhido, da poesia que torna as pedras mais leves, do cinema que dilata o tempo, do prato que reúne histórias em uma mesa.
Embriague-se da natureza,
que, ao contrário das apostas, não exige nada, apenas que você esteja presente.
No meio do caminho tem escolhas.
Tem sempre escolhas no meio do caminho. E se você insistir no jogo,
jogue, mas com cuidado.
Não jogue sua paz, sua família,
nem seu futuro.
Porque o número no meio do caminho não é destino, é só mais uma pedra, e aprender a desviar dela é o verdadeiro prêmio.
Nello Morlotti um homem qualquer!
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