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 O Ovo Redondo e a Guerra das Extremidades: Uma Crônica sobre Passaportes, Satíricos e Cinismos


Em Lilliput, a guerra era sobre qual extremidade de um ovo deveria ser quebrada. Na Inglaterra, o ovo redondo, uma aberração natural, virou manchete, com leilões prometendo mais atenção do que qualquer reforma política séria. No Brasil, a saga do passaporte de Jair Bolsonaro resgata, ao melhor estilo Swiftiano, a comédia de absurdos que atravessa eras e geografias.


Vamos começar pela cena da fazenda britânica. Ali Greene, heroína acidental do dia, descobre um ovo perfeitamente redondo rolando na esteira. Um achado raro, digno de um Guinness, uma fortuna em potencial. O mundo, claro, vibra. Afinal, o absurdo sempre fascina mais do que o ordinário. Enquanto isso, no Planalto Central do Brasil, outro tipo de redondeza — ou falta dela — ocupa manchetes. O ex-presidente, outrora obcecado por galináceos e cloroquinas, não consegue autorização do Supremo Tribunal Federal para viajar aos Estados Unidos e participar da posse de Trump, o herói dos ovos rachados do outro lado do Atlântico.


“Cínicos ou córneos?”, ecoa a pergunta de Roberto Requião de 2006, agora direcionada à audiência. Afinal, o STF decidiu barrar a viagem de Bolsonaro, mas não sem carregar uma aura teatral. Aqui está o cenário: o homem que, segundo rumores e apurações, orquestrou um levante para invalidar sua derrota eleitoral, agora quer prestigiar um ex-presidente americano igualmente acusado de fomentar uma invasão ao Capitólio. É quase como assistir a Lilliputianos e Blefuscudianos discutindo ovos: trivial, risível, e ainda assim, perigosamente inflamado.


No entanto, o STF não caiu no truque da extremidade. O passaporte ficou. Como na saga de Swift, a decisão judicial revela uma disputa maior: um Brasil dividido entre os que quebram ovos de um lado e os que preferem a outra ponta, enquanto esquecem que, no fundo, o problema é que estamos todos tropeçando nas cascas espalhadas.


Mas voltemos à Inglaterra, onde o ovo redondo virou símbolo de curiosidade e esperança, como se ele pudesse resolver a crise do custo de vida ou consertar as rodovias esburacadas. Quão diferente é do Brasil? Por aqui, o espetáculo é menos redondo e mais cínico. Enquanto Bolsonaro ensaia sua partida, o povo se divide entre aplausos e risos abafados, lembrando que quem tenta fugir da panela nem sempre escapa do fogo.


E, como Swift tão bem mostrou, essa guerra de extremos só existe porque os moderados silenciam. A decisão do STF, apesar de fundamentada, soa como um lembrete satírico: impedir a fuga é um passo, mas e quanto às rachaduras no ovo gigante da democracia brasileira? Elas ainda estão lá, à espera de quem se importe em consertá-las.


No final das contas, talvez fosse melhor enviarmos Bolsonaro ao leilão do ovo redondo. Quem sabe ele poderia usar o montante arrecadado para financiar um curso de etiqueta internacional. Ou, ao menos, aprender com Swift que as verdadeiras guerras não são sobre como quebrar um ovo, mas sobre como parar de pisar nas cascas deixadas por líderes de má-fé cínica e ignorância córnea.


E como todo humor bem temperado, fica a questão: de qual lado do ovo você está?


Nello Morlotti

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