O Jazz dos Cemitérios
Estava eu, num daqueles dias em que o algoritmo das redes sociais decide me enviar para um buraco existencial, navegando entre promoções de creme antirrugas e memes de gatos, quando me deparo com um post sobre o Cemitério Père-Lachaise, em Paris. O túmulo de Jim Morrison, dizia a legenda, ainda é um ponto de peregrinação para jovens desajustados e senhores nostálgicos que já perderam mais cabelos que ilusões. Aí me bateu: que diabos faz um cemitério tão popular quanto um restaurante com estrelas Michelin?
Resolvi investigar. A verdade é que os cemitérios são como aqueles bares antigos de esquina. Você entra para tomar um café, mas acaba ficando pela música ao vivo, pela conversa com o dono ou, no caso dos túmulos, para refletir sobre as tragédias alheias que, milagrosamente, parecem mais interessantes que as nossas. Cada lápide é um vinil de jazz, com histórias gravadas em epitáfios que vão de românticos a irônicos – “Eu avisei que estava doente” é um clássico eterno.
Mas o que torna os cemitérios especiais mesmo é quando eles tocam na nossa história. Como aquele dia em que, em Laveno Mombello, na Lombardia, me vi diante do túmulo dos meus bisnonos. Não havia formalidades, nomes completos ou títulos de importância. Apenas “Nonno Pino e Nonna Pina” – juntos para a eternidade. Uma inscrição que diz mais que qualquer biografia oficial. Porque o que importa não são os nomes gravados no registro, mas os apelidos carregados de amor, aqueles que sobrevivem ao tempo. Não eram Giuseppe e Giuseppina para nós; eram Nonno Pino e Nonna Pina, as duas almas que compartilharam tudo, da vida à eternidade.
Essa simplicidade me lembrou o quanto os apelidos são as nossas verdadeiras assinaturas na existência. É como se eles fossem as notas finais de uma música que continua ecoando, mesmo quando a melodia acaba. Laveno me mostrou que a memória não precisa de formalidades – ela só precisa de afeto.
E, se você acha que essa simplicidade é coisa de famílias pequenas, está enganado. No Cemitério da Consolação, em São Paulo, jazem empresários, políticos, poetas e, claro, esculturas que dariam inveja a qualquer museu de arte moderna. É como se, em vez de fazer uma Netflix no céu, eles tivessem preferido deixar um trailer aqui na Terra.
Já os cemitérios verticais – os arranha-céus do descanso eterno – têm sua eficiência, mas perdem parte do charme. Ninguém vai visitar um mausoléu de três metros de altura para ficar pensando na vida. O QR Code no túmulo que leva para um site com a biografia do falecido é, no máximo, uma tentativa de modernizar a eternidade, mas sem o toque de humanidade.
No fim das contas, os cemitérios são como aquele filme do Tarantino: cheios de referências, drama e reviravoltas. E, mesmo sabendo que um dia seremos os protagonistas desse longa-metragem subterrâneo, não dá para negar que há algo de poeticamente hilário em deixar nossa última frase escrita numa pedra – ou num pixel.
Porque, afinal, viver é um jazz improvisado, mas morrer é uma obra de arte.
(Por Nello Morlotti)
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