Wi-Fi nas Favelas e o Samba Digital !

Wi-Fi nas Favelas e o Samba Digital


Era uma vez, num canto remoto do Brasil, um jovem chamado Zeca, que fazia gambiarras como ninguém. Ele transformava antenas quebradas em amplificadores de Wi-Fi e tinha um talento único para descobrir senhas de roteadores apenas pelo nome do vizinho. “Se o seu José colocou ‘Marilu2023’, o próximo é Marilu2024”, dizia ele com a confiança de quem decodifica o mundo na base da intuição.


Zeca vivia em uma favela que, como tantas outras, era pintada por dados duvidosos. O IBGE finalmente resolveu chamá-la pelo nome: favela. Nada de “aglomerados subnormais” ou outros eufemismos burocráticos. Era um lugar cheio de vida, com ruas onde a criançada corria descalça enquanto o sinal da internet disputava espaço com as pipas no céu.


Ele passava o dia no TikTok e à noite mergulhava em tutoriais no YouTube. Não era bem estudo formal, mas, para Zeca, aprender a consertar celulares valia mais do que uma aula de física. Sua “universidade” era a internet, limitada, claro, por megas escassos e planos pré-pagos. Como muitos jovens periféricos, ele não navegava na rede; surfava de pranchinha improvisada, pulando anúncios de empréstimos e apostas milagrosas.


O dilema de Zeca era este: ele sabia criar conteúdo, mas não sabia se queria ser famoso ou simplesmente reconhecido pelo vizinho. Seu canal no YouTube ensinava truques de sobrevivência digital: como driblar o lag no Free Fire ou fazer um cabo USB durar mais que uma quinzena. Mas o que ele realmente sonhava era dar voz à sua comunidade, onde as favelas já não eram só lugares de carência, mas também centros de cultura, resistência e inovação.


Enquanto isso, nas camadas mais altas da sociedade – aquelas que não precisavam de roteadores emprestados – o debate era outro. Políticos discutiam inclusão digital como quem debate se vale a pena ou não botar uva-passa na farofa. Zeca sabia que eles não faziam ideia do que significava um sinal fraco no meio de uma live.


“Internet pra todos!”, gritavam nos palanques. Mas, para Zeca, aquilo soava como promessa de mãe que diz que vai “pensar no seu caso” quando ele pedia um videogame. Para a periferia, justiça digital não era um sonho distante, mas uma necessidade tão urgente quanto arroz com feijão.


Um dia, Zeca decidiu fazer um curta para seu canal, chamado “O Samba do Wi-Fi Quebrado”. Com a câmera emprestada de um amigo, ele filmou as gambiarras, os gatos e os truques do dia a dia. Misturou humor com crítica, poesia com improviso. “Aqui na favela, a gente não baixa filme, a gente torce pra ele carregar!”, brincava na abertura.


Seu vídeo viralizou, não por acaso, mas porque traduzia a verdade com graça. Ele apontava como a desigualdade digital era a continuação moderna das divisões de sempre. Mas fazia isso dançando, sem ranço ou moralismo. No final, convidava: “Compartilha aí, mas me dá os créditos. E, se puder, passa a senha do Wi-Fi também!”


Zeca mostrou que o futuro não era só sobre acessar a internet; era sobre quem controlava o login e quem tinha direito de criar suas próprias senhas. Porque, na periferia, até o Wi-Fi samba no ritmo da resistência.


Nello Morlotti


Comentários