Anistia oi ?

 “Anistia para Todos, Até para o Jacaré de Pijama”


Era uma vez uma lei. Ou melhor: um projeto de lei. De número 2858, nascido no coração pulsante do Congresso Nacional e embalado por mãos diligentes que juram amor à pátria, à família e, com alguma sorte, à coerência. Mas como toda boa fábula brasileira, o enredo tem reviravoltas, um pouco de ficção e muitos personagens mascarados.


Eis que na distante Curitiba, capital de um Paraná que já nos deu o Galo da Madrugada, o barreado e um ou outro juiz celebridade, um deputado estadual — armado não com espada, mas com requerimento — resolve agir. Como um Dom Quixote da democracia em reverso, propõe, em nome da liberdade, uma moção de apoio para que se perdoem todos, absolutamente todos, os manifestantes de um período bastante… peculiar.


De 30 de outubro de 2022 até o dia em que a lei entrar em vigor. Um intervalo tão elástico que caberia nele o Natal, o Carnaval e até mesmo o apocalipse zumbi (se viesse fardado e com a bandeira do Brasil nas costas).


A moção, vestida de discurso florido, clama pela liberdade de expressão. Mas silencia diante da diferença entre quem segurava uma faixa e quem empunhava um pedaço de pau. Não há linha que separe a crítica legítima do golpismo escancarado. Tudo entra na mesma anistia, num abraço jurídico tão apertado que engole até o sujeito que invadiu o Planalto achando que era o museu de cera de Madame Tussauds.


Enquanto isso, em Brasília, a Primeira Turma do STF — esse grupo de ministros que virou o novo elenco do “Big Brother da Constituição” — aceita a denúncia contra Bolsonaro e seus sete anões. Perdão: aliados. A acusação é de tentar um golpe de Estado, algo que, convenhamos, não se vê todo dia num país que já teve Jânio, Collor e agora essa gente que sonha com tanque na rua como quem sonha com unicórnio no quintal.


A gritaria da direita veio rápida. Gritam golpe, gritam censura, gritam até se faltar ar — mas não gritam pelo nome das vítimas da democracia ferida. Há quem diga que Moraes é ditador, que o STF virou partido, que a PGR está de joelhos. Mas o que realmente incomoda, parece, é que dessa vez alguém se levantou da cadeira e disse: “Chega.”


Voltamos à nossa fábula. Na moção paranaense, não se fala de 8 de janeiro, de invasão, de destruição de patrimônio público, de insultos às urnas e à Constituição. Fala-se em “manifestação pacífica”. Como se derrubar vidraças fosse um tipo novo de mímica política. Como se quebrar relógios históricos fosse expressão artística.


Ora, se é pra perdoar, que seja de vez: anistia para quem usava colchonete em frente ao quartel, para o sujeito que levou marmita com vinagre, para o que pediu intervenção federal e até pro jacaré de pijama que apareceu no ato de Goiânia. Todos são vítimas — segundo o requerimento — do Estado malvado, que não entendeu o verdadeiro espírito natalino daquela revolução de WhatsApp.


Talvez seja isso mesmo. Uma anistia para todos. Uma grande promoção de fim de regime: “Peque agora, será perdoado depois. Frete grátis para Brasília.” Porque no fundo, o que essa moção escancara não é amor à democracia, mas pavor de vê-la de pé, funcionando, cobrando e julgando.


E nesse país que se diz cristão, mas perdoa mais rápido os destruidores do templo que os que limpam o altar, a verdadeira sátira somos nós — espectadores desse teatro de absurdos, onde o roteiro muda conforme a cor da camisa e a legenda da postagem.


No próximo capítulo: o perdão ao pipoqueiro, ao coach de golpe e ao influencer que achou que podia entrar no STF como se fosse camarote de micareta. E a democracia? Ah, essa vai precisar de mais que uma moção. Vai precisar de memória.


Nello Morlotti


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