boneca, a bilheteria e a barricada
No auge da primavera europeia, quando os fotógrafos de Cannes engolem flashes mais rápido que champanhe, lá estava ela de novo: Barbie. Só que desta vez não de rosa choque — mas sob choque. A sequência do blockbuster plastificado chegou ao balneário francês entre aplausos, memes e… cartazes.
Do tapete vermelho ao asfalto da rebeldia, Barbie 2 estreou sob protestos feministas. E com razão: a boneca, desde 1959, nunca foi apenas um brinquedo — foi um espelho distorcido de expectativas, uma ficção de plástico moldando meninas em silêncio rosa e cintura irreal.
Mas não é curioso que a própria crítica, agora, se amontoe sobre uma obra que tentou desconstruir sua própria origem?
No primeiro filme, Barbie foi arrastada ao divã coletivo do século 21: feminismo pop, patriarcado de Ken, crises existenciais e uma piscadela a Simone de Beauvoir servida com filtro rosa. Agora, na sequência, ela parece ter se perdido no próprio roteiro. Ou melhor: nos bilhões arrecadados que gritam mais alto que o desejo de subversão. Afinal, o capital tem lá sua habilidade de vestir ideologia com tecido sustentável — desde que renda.
Os protestos em Cannes não miravam a boneca em si, mas o esvaziamento simbólico do discurso. “Se tudo é empoderamento, então nada é.” E talvez aí esteja o problema: transformaram o feminismo em acessório intercambiável. Coloque a palavra “forte” na caixinha da Barbie, pinte com diversidade e pronto — a revolução virou franquia.
Mas é preciso dizer: a multidão ainda vai ao cinema para ver Barbie. E isso tem seu peso. No fundo, Barbie 2 não está em Cannes. Está na sala de estar da menina que tenta entender seu lugar no mundo — e se o salto alto rosa que lhe deram combina com sua vontade de andar descalça no barro das próprias escolhas.
Seja qual for o desfecho da sequência, uma certeza nos ronda: a Barbie não vai embora. Ela se reinventa, como todo mito. Mas talvez agora, sob os cartazes e os questionamentos, ela comece — finalmente — a ouvir o que as meninas reais têm a dizer.
— Nello Morlotti
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