A Vingança do Relogio de Parede !

vingança do relógio de parede”


Dizem que o tempo cura tudo. Mentira. O tempo não cura, ele acumula. E o meu relógio de parede, aquele que há semanas adiantava cinco minutos como quem quer ganhar o troféu de ansiedade crônica, hoje resolveu parar. Parou. Morrido, quieto, calado — como quem se recusa a participar de mais um almoço de domingo com a família reclamando da vida.


Observei o silêncio da sala. Era como se a casa tivesse perdido seu metrônomo, seu pulso vital. Sem o “tic-tac”, percebi que há dias vivo sob o comando de horários imaginários, de reuniões que não começam, de mensagens azuis que nunca voltam, e do forno que esquenta o frango mas não esquenta meu coração.


Lembrei do meu avô. Ele tinha um relógio de bolso, daqueles que pareciam guardar dentro o som de uma locomotiva. Dizia que cada segundo era uma mordida a menos na fatia de tempo que a gente tinha. E mordia a vida com gosto. Feijão com toucinho, vinho de garrafão, gargalhadas que rimavam com palavrões. Aquilo sim era cronologia com substância.


Hoje, meu tempo se mede por notificações: mensagem recebida às 12:03, visualizada às 12:04, ignorada até que a ansiedade vire janta. E o frango queimou.


Substituí o relógio por outro, digital, frio como um e-mail de segunda-feira. Mas guardei o antigo. Coloquei-o ao lado da minha máquina de café, como quem mantém um amigo doente por perto, só pra lembrar que o tempo, às vezes, precisa de uma pausa. Nem que seja pra fermentar.


Afinal, o tempo só vale mesmo quando a gente o recheia com histórias. E uma delas, a de hoje, começou com um ponteiro teimoso que me ensinou a parar. Nem que fosse só por uma crônica.


— Nello Morlotti


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